terça-feira, 31 de julho de 2012

Ki - Buscar, Viver e Sentir


Buscando o Ki

O Ki é o material mais básico e também o mais complexo para o acupunturista compreender. De natureza dinâmica e fugidia, é considerado a essência do trabalho energético.
Quando falamos de Ki, alguns pensam que se trata de algo etéreo ou conceitual no discurso da medicina tradicional oriental; outros, que se trata de algo físico, que necessita um grande estímulo para solicitar sua presença e função. Nada mais distante da realidade. É preciso entender o Ki como uma força sutil e delicada, implícita no conceito de vida, e que, em seu comportamento natural, se manifesta de diferentes maneiras. Com relativa facilidade, podemos ter acesso a algumas destas manifestações, como a constatação da remissão de sinais e sintomas ou a observação do brilho dos olhos. O acesso a manifestações que forneçam informações mais valiosas, como o pulso ou a palpação de meridianos, estará reservado ao profissional, já que requer estudo, prática e experiência. Sendo isto evidente, deve-se ressaltar que é comum o erro, entre muitos praticantes, de entender o Ki como um conceito intelectual. E o Ki, assim como a vida, se deve sentir e viver.

Uma das contribuições mais notáveis para a medicina oriental provém da concepção japonesa. É o fato de que o Ki requer uma grande sutileza para ser manipulado e percebido. Em outras palavras, não requer estímulos de grande intensidade física como a eletroestimulação ou a punção profunda para conseguir sua ativação. Quando o estímulo utilizado é sensitivo, ou seja, captado pelo sistema nervoso, significa que ultrapassamos o limiar de sutileza para ativar outros mecanismos de natureza física ou bioquímica (4). Não deixa de estar certo, que mediante estímulos sensitivos intensos, também se produzem efeitos benéficos e talvez uma ativação do Ki, ainda que em menor quantidade. Um paralelismo que explica esta realidade é a circulação de água em uma mangueira de jardim: se pressionamos suavemente (estímulo sutil), a mangueira aumentará suavemente a pressão de saída de água, se apertamos mais forte (estímulo sensitivo) a água saíra com muita pressão e se chegamos a aplicar uma pressão muito grande (estímulo sensitivo intenso) o fluxo será bloqueado e não saíra água. Em poucas palavras: menos é melhor.

Manipulando o Ki

Uma técnica de moxibustão que expressa perfeitamente a sutileza do estímulo e a essência do Ki, é o chamado chinetsukyu . Este tipo de moxibustão é considerado moxibustão indireta, ainda que se aplique diretamente sobre a pele. O fato é que sua combustão jamais deve chegar à pele do paciente. Esta técnica foi desenvolvida pelo japonês Keiri Inoue, um dos fundadores da Keiraku Chiryo (Terapia de Meridianos), com a intenção de conseguir uma técnica de suplementação suave. No nível energético, chinetsukyu permite estimular e suplementar o Yang Ki, mobilizar o Ki, desobstruir meridianos, liberar o Yang, drenar líquidos e dispersar estagnações. É interessante destacar a possibilidade de conseguir um efeito de drenagem-dispersão e sua aplicação em quadros de calor, já que é comum a idéia de que a moxa, por ser quente, não pode ser utilizada para tratar o calor (2).

Chinetsukyu consiste em cones de Artemísia com uma dimensão aproximada de 1,5 cm de base (koyubi kashira dai, ou seja, a primeira parte do dedo mínimo) e 1,5-2 cm de altura. Os cones são confeccionados manualmente e com Artemísia de qualidade média, para que sua combustão seja lenta e quente. As artemísias de media ou baixa qualidade costumam conter uma proporção de folhas e ramos mais abundante, que resulta numa combustão mais calorífica que a das artemísias de alta qualidade, as quais são usadas para técnicas diretas como o okyu.

Esta técnica possui dois grandes efeitos opostos: a suplementação e a drenagem. De acordo com a maneira como se deixa progredir a queima do cone, podemos obter um ou outro efeito (1). Mediante sua aplicação por passos, podemos compreender bem a técnica:

1. Localizar e marcar o ponto de aplicação.
2. Confeccionar e aplicar o cone no ponto localizado.
3. Acender o cone com um incenso.

a . Efeito Suplementação: deixamos seguir a combustão até o final do primeiro-segundo terço ou 50% do cone. Outra forma é deixar queimar até que o paciente comece a sentir suavemente o calor, então retiramos o cone.

b . Efeito Drenagem: deixamos seguir a combustão até o final do terceiro terço ou 90% do cone. Também podemos esperar até que o paciente expresse que sente realmente quente (queimando), porém sem deixar que chegue à combustão completa. Chegando a este ponto, retira-se imediatamente o cone.

Vale ressaltar que a retirada do cone pode ser feita manualmente sem problemas, já que o cone queima de cima para baixo e de fora para dentro. À medida que segue a combustão, ficará um cone de cinza de pouca densidade que pode ser retirado com manipulação rápida e delicada.

A verificação do pulso permite objetivar os efeitos resultantes da técnica, ao mesmo tempo em que permite observar a mudança do Ki cada vez que o cone suplementa com mais Ki.

Alguns tratamentos com chinetsukyu:

- Estimular o Yang Ki: 3 cones no modo Suplementação em VG14.
- Estimular a saúde e crescimento nas crianças: 3 cones em Suplementação em VG12.
- Baixar a febre: 9-11 cones em Drenagem em VG14.
- Dor na região cervical e tensão em trapézios: 1-3 cones em drenagem em B10 e VB20.
- Diarréia: 3-5 cones em Suplementação em quatro pontos ao redor do umbigo.
- Dor e congestão na cabeça: 3-5 cones em Suplementação em R1.

Sentindo o Ki

Não é fácil sentir algo, se não sabemos antecipadamente o que se deve sentir. Esta costuma ser a idéia que corre a mente do praticante quando inicia esta difícil tarefa. Mas para seu consolo, deve-se dizer que, uma vez que o sinta, não terá dúvidas.

O que nos permite sentir o Ki dos outros é colocar uma série de circunstâncias para a circulação de nosso próprio Ki. A interação entre o nosso Ki e do paciente é a chave deste mistério. Estas são algumas circunstâncias que podem facilitar:

· A atitude mental: esperar e não condicionar, já que o Ki vai chegar. Somente deve-se dispor de uma atitude de contemplação mental, uma vez que somente o fato de pensar na forma já causará captação do Ki (calor, cócegas, cólicas, dor, etc.); a intenção antecipada de manipular o Ki irá bloquear sua captação.
A postura corporal: a comodidade na postura e a atitude de evitar as tensões permitem não criar obstáculos para um correto fluxo de nosso Ki.

· A respiração: a calma e a freqüência respiratória suave facilitam o impulso e a circulação de nosso Ki. Deve-se evitar a apneia respiratória.

· O ambiente: um espaço tranquilo evitará a interação incontrolada com outros estímulos (ruídos, mau cheiro ou cores fortes).

Sobre a atitude e as circunstâncias ideais, os livros clássicos são claros. O Ling Shu, no capítulo 9, diz: “Quando se insere a agulha, não se deve olhar, não se deve escutar, não se deve falar e não se deve mover, porém deve-se centrar a atenção, dirigir a mente para a ponta da agulha e esperar a ida e vinda do Ki”.(3)

Em relação ao chinetsukyu, quando queremos entender a qualidade do nosso tratamento ou controlar exatamente a quantidade de Ki que estamos fornecendo, devemos adicionar uma ferramenta de monitorização. Colocaremos os dedos índice e polegar a modo de Oshide “aberto”, ou seja, descansaremos muito suavemente as pontas destes dedos a 1,5 cm do cone em combustão. Deverão ser controlados aspectos como a força aplicada sobre a pele e que os dedos não dificultem a passagem do Ki no caso de aplicarmos chinetsukyu em um trajeto de meridiano. O Ki chegará em uma apresentação radial, como se fosse uma pedra lançada na água, e periódica à medida que siga a combustão do cone.

Podemos observar a extrema sutileza do Ki ao sentir sua chegada e suplementação através do cone muito antes que o paciente perceba qualquer sensação física de calor.

Saúde e okyu!

Bibliografia:

(1) Birch, S (1998). Japanese Acupuncture. Paradigm Publications. Massachusetts, USA.
(2) Caudet, F (2011). El calor que cura. Natural Ediciones. Madrid, España.
(3) Kuwahara, K (2003) Traditional Japanese Acupuncture. Complementary Medicine Press. Taos, New Mexico.
(4) Manaka, Y (1995) Chasing the Dragon’s Tail. Paradigm Publications. Massachusetts, USA.
(5) Revista Medicina Chinesa Brasil, Ano II, número 6.

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