O QUE É DOR MIOFASCIAL?
Em primeiro lugar, é preciso entender o significado do termo
miofascial.
Você já foi à um açougue comprar uma peça de filé mignon, de
contra filé, de alcatra ou qualquer outra, não? E aí você pede para o atendente
uma carne limpa, certo?
Antes de mais nada, o açougueiro começa por retirar uma
“pele” que envolve os músculos e que isola os mesmos uns dos outros. Essa
“pele” é um tecido conjuntivo que envolve, não só os músculos, mas todas as
estruturas do organismo de maneira tridimensional, da cabeça aos pés, incluindo
os ossos, nervos, vasos sanguíneos, e até mesmo as células.
Essa “pele” se chama fáscia. Na extremidade dos músculos, a
fáscia se une e forma os tendões, de cada lado do músculo. Estes tendões vão se
fixar em ossos ou em articulações, e quando há contração muscular ocorre o
movimento.
Tomemos por exemplo o músculo bíceps braquial. Seu tendão da
parte de cima se une à parte anterior do ombro, enquanto o tendão inferior se
une ao rádio (osso do antebraço). Portanto, o bíceps percorre 2 articulações, a
do ombro/braço e a do braço/antebraço. A contração do bíceps irá promover a
flexão do antebraço sobre o braço e auxiliar outros músculos na flexão do braço
sobre o ombro.
“Mio” significa músculo, e daí o termo miofascial (de músculo
e fáscia).
SÍNDROME DE DOR MIOFASCIAL
É a que decorre do comprometimento funcional dos músculos e
fáscias. No interior dos músculos se forma uma banda tensa, que pode doer
espontaneamente ou não, e quando comprimida de forma adequada, provoca dor no
local ou referida à distância deste ponto. Travell (Travell J. & Simons, D
- Dor e Disfunção Miofascial - Manual de Pontos Gatilho. Artmed, 2ªd. Porto
Alegre, 2005) o denominou Ponto Gatilho Miofascial (Trigger Point). Os pontos
gatilho podem estar latentes ou ativados, e nesta última condição são
responsáveis pela dor.
Não se surpreenda se nunca ouviu esses termos antes. Muitos
profissionais desconhecem seu significado, ou pelo menos a importância que a
dor miofascial / pontos gatilho têm na gênese das dores músculo esqueléticas.
Mesmo a Organização Mundial da Saúde subvaloriza a dor miofascial, a tal ponto
que a mesma não tem codificação na Classificação Internacional das Doenças
(CID), embora Travell venha descrevendo a síndrome desde a década de 1950.
Assim, por exemplo, o médico que diagnostica uma síndrome
miofascial num paciente é obrigado a usar os códigos R52 - dor não classificada
em outra parte, ou M79 - outros transtornos dos tecidos moles não classificados
em outra parte, M79.0 - reumatismo não especificado, ou ainda M79.1 – mialgia,
que constam da CID 10, nenhum dos quais identifica a síndrome!
Segundo Travel, 80% de todas as dores do sistema ósteo músculo
articular são devidas a pontos gatilho ativos. Os sintomas surgem devido à
disfunção do complexo de músculos e fáscias! Por outro lado, muitas dores com
origem em estruturas lesadas tem um componente miofascial supra ou subjacente
que podem agravá-las.
A SÍNDROME DE DOR MIOFASCIAL É MUITO POUCO RECONHECIDA E
INADEQUADAMENTE MANEJADA
A falta de achados laboratoriais ou nos exames de imagem que
possam comprovar alguma alteração orgânica justifica o fato da dor miofascial
situar-se entre as condições clínicas mais mal diagnosticadas. O distúrbio é da
função, e não estrutural. Recentemente, demonstrou-se que a termografia é capaz
de identificar pontos gatilho ativos, mas este recurso diagnóstico está
disponível apenas em algumas instituições de pesquisa, e o clínico não pode
contar com ele.
Por enquanto, na prática diária, somente a história clínica e
o exame físico cuidadoso, incluindo palpação e exame funcional, será capaz de
identificar a síndrome. Entretanto, isto não exclui a responsabilidade do profissional
de afastar causas estruturais que possam ser responsáveis pelo quadro que o
paciente apresenta.
Costumo receber em meu consultório pacientes a quem pergunto
qual a queixa principal que o trouxe a mim, e eles respondem: “tenho hérnia de
disco lombar”. “Mas o que você sente, é isso que me interessa”, torno a
perguntar, e o paciente então compreende que desejo saber seus sintomas,
geralmente dor. Onde se localiza? Se irradia? Quando iniciou, foi de forma
insidiosa ou abrupta, melhora ou piora em qual posição, usou medicamentos,
etc.?
Texto a mobilidade do paciente e o examino, e ao fim tenho a
responsabilidade de afastar ou valorizar a tal hérnia de disco como responsável
pelo que o paciente apresenta. E posso garantir que na maioria das vezes, a
hérnia no máximo pode predispor o surgimento de uma síndrome miofascial, que é,
de fato, a responsável pelos sintomas, e não a hérnia. Tanto assim que o
paciente fica bom, sem sintomas, e a hérnia de disco permanece.
É claro que existe a dor causada pela hérnia, e cabe ao
profissional identificar quando isto ocorre. Ainda assim, a conduta em
princípio é conservadora, e a acupuntura pode mitigar os sintomas. Acrescento
ainda a informação de que mais da metade de pacientes acima de 40 anos é
portadora de hérnia de disco, e a maioria é assintomática.
FATORES DESENCADEANTES DA DOR MIOFASCIAL
A dor miofascial pode ter origem em estruturas somáticas
(músculos, ligamentos, ossos, articulações) ou viscerais (órgãos internos).
Contratura muscular em excesso (carregar peso), manter
músculos permanentemente contraídos (uso de bolsa a tiracolo contrai o trapézio
superior e o levantador da escápula) ou alongados, movimentos repetitivos (uso
do teclado, do mouse), posturas inadequadas (ao ler, sentar, posição de
dormir), restrição dos movimentos (como em imobilizações), distúrbios
articulares, processos inflamatórios, etc., enfim, qualquer condição que
promova stress biomecânico pode ativar pontos gatilho e promover o surgimento
de bandas tensas no interior dos músculos.
O stress (pressão do trabalho, cumprir metas) por si aumenta
a atividade elétrica do ponto gatilho miofascial e pode gerar a síndrome.
Um exemplo de distúrbios viscerais gerando dor miofascial é a
crise causada por um cálculo renal que desce pelo ureter, distendendo as
estruturas do sistema urinário, o que é responsável pela dor. Os reflexos que
existem entre as vias nervosas viscerais e somáticas no nível da medula
espinhal produzem contração da musculatura lombar, o que aumenta ainda mais a dor.
O cálculo pode ter sido expelido, a crise devida à passagem do cálculo pelas
vias urinárias pode até ceder, mas o paciente muitas vezes persiste com dor na
região lombar, agora causada pela síndrome de dor miofascial.
Dor na musculatura abdominal alta pode estar associada a
distúrbio da vesícula biliar, do esôfago, ou do estômago; na parte baixa do
abdome pode refletir distúrbios intestinais, dismenorreia (menstruação
dolorosa). O exame cuidadoso irá identificar a presença de bandas tensas e
pontos gatilho no músculo reto do abdome.
Assim, os pontos gatilho podem complicar qualquer tipo de dor
e mesmo sugerir distúrbios viscerais subjacentes.
EXEMPLOS DE DOR MIOFASCIAL
Muitas das condições dolorosas citadas abaixo são
primariamente miofasciais. Outras se acompanham de distúrbios na estrutura
músculo esquelética, que podem ser a consequência ou a origem das dores
miofasciais. Em qualquer dos casos, essas dores são tratadas com sucesso pela
acupuntura.
ü
Dor no pescoço e na cintura escapular, incluindo
torcicolo.
ü
Dor no dorso.
ü
Dor no ombro (traumas, síndrome do manguito
rotador, ombro congelado).
ü
Dor no cotovelo (cotovelo de tenista, cotovelo
do golfista, dor no olecrano).
ü Dor no punho (síndrome do túnel do carpo,
síndrome do canal de Guyon, síndrome De Quervain).
ü
Dor na mão.
ü
Dor nos dedos da mão e dedo em gatilho.
ü
Dor lombar aguda ou crônica.
ü
Dor ciática.
ü
Dor na articulação do quadril.
ü
Dor na articulação sacro ilíaca.
ü
Dor na coxa.
ü
Dor no joelho.
ü
Dor no tornozelo.
ü
Dor no pé, incluindo devido à Neuroma de Morton.
Fonte: Dr. Marcio Dias, Phd.
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