quinta-feira, 8 de março de 2018

Depressão Mascarada e Dor

A depressão, em suas diversas formas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é doença que acomete aproximadamente 3% da população mundial por ano. A tendência ao aumento das cifras vem sendo observada uma vez que mesmo com o aumento do conhecimento sobre o tema também aumenta. Características de vida atual têm contribuído para a ocorrência desse aumento, dado que o estilo de vida vem se caracterizando por estresse, automação e concomitantemente ocorrendo certa despersonalização da vida relacionada ao trabalho e a mudanças de valores induzindo a certa inadaptação às contingências do meio.



Destarte, as queixas que levam o paciente à procura de serviços de assistência médica podem ser múltiplas, e quando nada é encontrado que possa sugerir uma patologia orgânica, deve-se sempre excluir quadros de ansiedade, onde o estresse vivencial se manifesta por queixas somáticas, ou mesmo um transtorno depressivo.

Clínicos gerais, bem como outros profissionais de saúde, atendem a uma gama muito grande de queixas de pacientes, desde aqueles que precisam de consulta de rotina àqueles com doenças crônicas, incapacidades e deficiências. Conhece-se os sintomas tradicionais da ansiedade e depressão – choro, fadiga, desesperança – mas não são todos os pacientes que os tem ou relatam desta forma, seja para os familiares ou profissionais de saúde. Ainda, alguns sintomas como a fadiga, pode ser um sintoma de depressão ou doença cardíaca, então se torna difícil o isolamento dos sintomas para o diagnóstico psicopatológico correto.

De acordo com estudo de Wu, Parkerson Jr. e Doraiswamy, quando os pacientes relatam ter saúde frágil e com queixas de intensa dor têm maior probabilidade de apresentar depressão que outros pacientes na clínica geral. Os pesquisadores acreditam que esse dado pode ajudar a melhorar o diagnóstico e o tratamento da depressão pelos médicos de família e muitos outros profisionais de saúde. Os autores relatam que o que tem sido mais relevante é que a depressão e a ansiedade podem frequentemente se apresentar apenas através de dor ou sintomas físicos debilitantes. A falha na identificação e no tratamento desse tipo de sintoma pode significar uma chance reduzida de recuperação total e cronificação da condição psicopatológica.

A tarefa do diagnóstico de depressão nem sempre é fácil, mesmo com a divulgação crescente de seus critérios bem estabelecidos.

Sabe-se que os critérios diagnósticos relacionados à depressão envolvem sintomatologia que podem mascará-la ainda mais, uma vez que se envolvem inúmeras outras queixas, incluindo as somáticas, que podem parecer pouco relacionado ao estado depressivo motivador.

No geral, é uma condição clínica diagnóstica por exclusão por ainda não se configurar, assim como outras condições psicopatológicas, por marcadores biológicos objetivos. 

A situação do doente pode ir se agravando diante de inúmeros exames objetivos que requisitados sem objetivamente se obter uma resposta ao sofrimento real. Uma verdadeira “maratona” diante de atendimentos e exames da propedêutica armada e nada de objetivo se identifica e, algumas vezes, induzindo o observador, em algumas situações, a suspeitar de queixas factícias ou mesmo simulatórias. Tais condições complicam ainda mais quando o curso das queixas envolve quadros dolorosos. 

Del Porto descreve que “sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida psíquica normal”, visto que tristeza é resposta humana universal em decorrência de situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Seu valor adaptativo foi evolutivamente capaz de, através do retraimento, “poupar energia e recursos para o futuro”. Porém, tem carácter de sinal de alerta “de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda”. 

O mesmo autor descreve que a depressão pode se manifestar como sintoma, síndrome ou doença. Como sintoma, pode surgir em variados quadros clínicos, tais como transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, dentre alguns, e como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais, familiares e econômicas adversas.

Como síndrome, a depressão inclui alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite). 

E como doença, a depressão apresenta-se de várias formas “dependendo do período histórico, da preferência dos autores (ou seja, do indivíduo que desenvolve a doença) e do ponto de vista adotado”. Encontra-se na literatura como transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia. 

Já o transtorno doloroso é uma condição descrita pelo CID-10 como um dos Transtornos de Somatização (F45.0) em que se caracteriza essencialmente pela presença de sintomas físicos, múltiplos, recorrentes e variáveis no tempo, persistindo ao menos por dois anos. A maioria dos pacientes teve longa e complicada história de contato tanto com a assistência médica primária, quanto especializada durante as quais muitas investigações negativas, ou cirurgias exploratórias sem resultado podem ter sido realizadas. Os sintomas podem estar referidos a qualquer parte, ou sistema do corpo. O curso da doença é crônico e flutuante e, frequentemente, se associa a alteração do comportamento social, interpessoal e familiar. Dentre os demais quadros descritos na categoria temos o Transtorno Doloroso (F45.4), cujas características são queixa de dor persistente, intensa e angustiante, não explicável inteiramente por processo fisiológico ou transtorno físico, ocorrendo em contexto de conflitos emocionais e problemas psicossociais suficientemente importantes para permitir a conclusão de que os mesmos sejam a causa essencial do transtorno. Em geral, resulta em maior atenção e suporte e assistência quer pessoal, quer médica. Quando uma dor é considerada como psicogênica e ocorre no curso de transtorno depressivo ou de uma esquizofrenia não deve ser classificada neste tópico.

Tem sido nomeado vulgarmente de depressão mascarada o que seria uma forma de somatização depressiva em que apesar de se tratar de depressão, seja como síndrome ou doença, os sintomas vêm mascarados sob as queixas orgânicas. A forma “máscara” é orgânica, mas o conteúdo, causa, é depressiva. 

Sabidamente é mais bem aceito socialmente uma patologia orgânica do que uma psicopatologia ou problema psíquico e a depressão ainda por muitos – infelizmente - profissionais de saúde tem sido considerada com menos cuidado que merece. 

Frequentemente mascara-se a depressão através de sintomas orgânicos como as cefaléias difusas, acompanhadas de mal estar geral que normalmente se manifestam conjuntamente com componente ansioso e fóbico manifesto, como medo de um tumor cerebral, medo da morte, dentre algumas queixas. Dores difusas, parestesias, nevralgias faciais, lombalgias, braquialgias. Aqui os sintomas se apresentam associados à ansiedade, à fadiga, hipersensibilidade aos estímulos ambientais e frequentemente eles se alternam, variando inclusive sua intensidade durante o dia e as parestesias agitadas noturnas, algumas formas de anorexia ou hiperfagia periódica. Algumas síndromes psicossomáticas que por sua característica não reativa e sua evolução fásica são de fato máscaras depressivas e respondem bem ao tratamento com antidepressivos e psicoterapia específica para depressão, sendo bastante comum doenças reumatológicas e queixas difusas em geral.

Além de uma “Máscara Somática”, a depressão pode assumir também uma máscara Psíquica sendo também a causa real de diversos casos de agressividade, alcoolismo, toxicomanias. As toxicomanias crônicas, ou episódicas muitas vezes mascaram estado depressivo subjacente e não raro encontrar-se em alcoolistas em estado de não intoxicação, onde pode ser mais vulnerável a atos suicida. Quando ocorre em paciente com quadro de problema orgânico já instalado e pronunciado pode induzir o profissional a não observar que compartilha diagnóstico psicopatológico depressivo ou ansioso. 

A sintomatologia somática da depressão por vezes muito difícil de diagnosticar e não raro passam por despercebidas pelo profissional. Se houvesse melhor dedicação ao encaminhamento à profissional especialista de certo que a demora de anos até que o tratamento correto seja aplicado em muito ajudaria na prevenção da cronificação, em ambas condições psicopatológica ou orgânica, auxiliaria sobremaneira prevenindo a desnecessária iatrogênia de inúmeras submissões a todo tipo de exames, provas terapêuticas e até cirurgias inadequadas e ineficazes, o que só vem a contribuir para o agravamento do estado depressivo e no recrudescimento da convicção de estar padecendo de algum mal incurável.

Assim, o termo depressão mascarada refere-se ao predomínio da sintomatologia física, inclusive insônia e inapetência, em detrimento do humor depressivo, dificultando o diagnóstico diferencial.

Por outro lado, existe o risco de diagnosticar vários pacientes clínicos como tendo depressão mascarada quando não se encontra prontamente uma causa orgânica para a queixa relatada.

Em estudo epidemiológico Kessler revelou que somente metade dos pacientes que recebiam psicotrópicos preenchia critérios para transtornos mentais.

Quando a dor for descrita como difusa, profunda, acompanhada de intenso sofrimento psíquico, cuja localização pode ser múltipla ou variável no decorrer do tempo deve-se sempre suspeitar de condição dupla, quadro doloroso e psicopatológico e o encaminhamento ao profissional especializado são mandatórios. 

Ainda não esquecer que tanto ansiedade e depressão levam à contratura muscular importante e em ambas as condições não ocorreria o relaxamento muscular voluntário levando a compressões importantes nas raízes nervosas que emergem da coluna vertebral e eliciando quadro doloroso. 



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