segunda-feira, 23 de abril de 2012

O tratamento dos Transtornos Alimentares na Medicina Tradicional Chinesa


Na China Antiga as doenças eram compreendidas como o resultado de um processo através do qual espíritos ou fantasmas invadiam o corpo, causando desarmonias. Os transtornos mentais e emocionais eram entendidos como manifestações de um outro ser, que habitava um corpo que não lhe pertencia – quase como se fossem possessões, algo ou alguém que não deveria estar ali assumia o controle daquela vida, sem que a vítima daquela condição pudesse fazer algo a respeito. Nestes casos, o tratamento se iniciava primeiramente com a expulsão do fantasma, espírito ou entidade possessora; em seguida, uma série de ações eram tomadas para que o controle sobre a própria vida pudesse ser restabelecido pelo doente.



Evidentemente que, com o passar do tempo, a observação constante dos estados de saúde e de doença foram modificando esta compreensão sobre os estados patológicos. Entretanto, a metáfora da possessão é uma excelente descrição de como algumas doenças podem ser de fato compreendidas como estranhos invasores; este é o caso dos Transtornos Alimentares (TAs). Tanto para quem sofre destes males quanto para os familiares e entes queridos que acompanham a dura batalha do doente, de fato parece que algo ou alguém que não deveria estar ali assumiu controle sobre aquele corpo, retirando daquele que sofre qualquer possibilidade de escolha. À medida em que a doença avança, não apenas a “voz” do TA se torna mais alta e forte, como a vítima do transtorno também vai se tornando cada vez mais inacessível – inacessível até para si mesma. De fato, é como se uma entidade se manifestasse, tomasse propriedade sobre não apenas aquele corpo, mas também sobre suas escolhas, seus sonhos e esperanças. 

Os Transtornos Alimentares se apresentam de várias maneiras, mas podem ser, de modo geral, agrupados em torno de três principais condições diagnósticas: a Anorexia Nervosa, a Bulimia Nervosa e a Compulsão Alimentar Periódica. 
Transtornos Alimentares: caracterização 
Por mais que homens também possam apresentar TAs, eles são incrivelmente mais comuns entre mulheres. A Anorexia Nervosa se caracteriza, em linhas gerais, pela recusa em manter um peso corporal mínimo; a Bulimia Nervosa se caracteriza pela ocorrência de repetidos episódios de compulsão alimentar seguidos de comportamentos compensatórios tais como vômitos, uso de laxantes, jejuns prolongados ou exercícios fisicos excessivos; a Compulsão Alimentar Periódica se caracteriza, da mesma forma que a Bulimia Nervosa, pela repetição dos episódios compulsivos, sem que os comportamentos compensatórios sejam adotados. 
Sem restringir a compreensão dos TAs acerca de critérios diagnósticos específicos, pode-se dizer que estes se definem pela existência contínua de pensamentos obsessivos em relação à alimentação, calorias, pesos e medidas, além da distorção da imagem corporal e de sintomas de ansiedade e depressão, sempre muito presentes. Outros comportamentos associados aos TAs são: dificuldade em tomar decisões, dificuldade de concentração, negação da sensação de fome, do cansaço e das próprias emoções, privação do sono auto-infringida, preocupação exagerada com os alimentos ingeridos (planejamento obsessivo dos alimentos a serem consumidos, rituais ao se alimentar), hiperatividade física e exercícios compulsivamente desempenhados, dificuldades nos relacionamentos pessoais, obsessão com a perfeição, auto-punição, competitividade exagerada, tendências suicidas, letargia e pensamento incoerente ou irracional.   
Alguns outros sintomas bastante presentes na clínica dos TAs são: amenorréia, perda de interesse no sexo, bradicardia, pressão baixa, hipotermia, perda de cabelo e edema, alterações hormonais significativas, constipação intestinal, pele seca e com rachaduras, unhas fracas, cáries e doenças periodontais, inflamação do esôfago em decorrência dos vômitos (e em casos severos, ruptura da parede do esôfago) e também glândulas salivares aumentadas na Bulimia Nervosa. 
Muitas são as causas dos TAs, e as principais se relacionam a histórico de TA na família ou preocupação familiar excessiva com questões de peso e alimentação; histórico de transtornos de humor na família tais como depressão, ansiedade ou transtorno bipolar; comportamentos familiares autoritários (principalmente na Anorexia Nervosa) ou negligentes (na Bulimia Nervosa e na Compulsão Alimentar Periódica); contexto sociocultural caracterizado pela extrema valorização da magreza; disfunções bioquímicas no metabolismo da serotonina e da noradrenalina; histórico de abuso sexual ou de experiência sexual traumática; traços de personalidade tais como baixa auto-estima, introversão, perfeccionismo, impulsividade, instabilidade afetiva, comportamento evitativo ou ansioso; geralmente o TA é desencadeado pela adesão a alguma dieta ou restrição de grupo alimentar. Ainda, é importante dizer que a comorbidade de TAs com outros transtornos de humor e dependência química é bastante grande. 
Tratamento dos TAs na Medicina Ocidental 
Devido à sua etiologia multifacetada, o tratamento clássico dos TAs na Medicina Ocidental também é multifacetado e inclui profissionais de diversas disciplinas tais como médicos, psicólogos, nutricionistas e educadores físicos. O uso de antidepressivos é comumente adotado e a hospitalização pode ser necessária para a recuperação e, principalmente, para adesão ao tratamento. 
Estudos recentes apontam que os índices de recuperação total são maiores para os casos de Bulimia Nervosa do que para os casos de Anorexia Nervosa, em que a taxa na mortalidade varia de 10 a 35%. Um estudo conduzido no Harvard Medical School (Herzog, 1999) acompanhou um grupo de mulheres por um período que variou de 3 a 9 anos, e os resultados foram: 33,7% das mulheres com Anorexia Nervosa e 73,8% das mulheres com Bulimia Nervosa se recuperaram totalmente, mas 40% das com Anorexia e 35,3% das com Bulimia apresentaram recaídas. As concluões do estudos também apontaram para a importância da compreensão de que dificilmente encontra-se um TA “puro”, sendo as demais condições patológicas presentes (as comorbidades) tão ou mais importantes do que o próprio TA. 
Transtornos Alimentares e Medicina Tradicional Chinesa 
A Medicina Tradicional Chinesa vem sendo usada há milhares de anos no tratamento de doenças; de acordo com a teoria médica chinesa, existe uma energia vital universal chamada Qi que existe em todos os seres vivos e que flui pelo corpo através de canais chamados Meridianos de Energia. Se este fluxo de energia é obstruído por algum motivo, surgem as doenças. São diversas as ferramentas da Medicina Tradicional Chinesa que se destinam a reestabelecer este fluxo harmônico de Qi pelo corpo, trazendo de volta o estado de saúde para o organismo; a Fitoterapia, Acupuntura, Massagem e técnicas meditativas e respiratórias (Qi Gong) são quatro das mais famosas e conhecidas ferramentas, e todas são utilizadas de acordo com a análise individual de cada caso. De acordo com a Medicina Tradicional Chinesa, a mesma doença do ponto de vista Ocidental pode assumir uma grande variedade de diferentes síndromes.
Muitos dos tratamentos oferecidos para os TAs, tanto na visão Ocidental quanto Chinesa dos quadros, vai se destinar a dar conta das chamadas “doenças secundárias” ao início do TA, tais como as náuseas, dor e distensão abdominal, constipação, diarréia, síndrome do intestino irritável e refluxo gástrico. Todos estes sintomas prejudicam na recuperação pois constituem empecilhos fisicos à retomada da ingestão de alimentos. As complicações médicas dos TAs atingem uma gama imensa de sintomas, que vão de dores de cabeça à infertilidade e, nestes casos, a Medicina Chinesa pode ajudar muito com poucos ou nenhum efeito colateral. 
Entretanto, os benefícios da Medicina Chinesa no campo da vida emocional e psíquica é que são inestimáveis. As alterações emocionais são tanto causa como consequência dos TAs e podem ser realmente agonizantes e extenuantes. Além disso, os fatores emocionais associados aos TAs que podem tanto causar como manter um TA nem sempre são totalmente claros e de fácil entendimento e compreensão. O trabalho psicoterápico é fundamental para a elaboração e dissolução destes conflitos, mas a Medicina Tradicional Chinesa  – e em especial a acupuntura – podem ajudar a diminuir sintomas como a depressão, a ansiedade, sintomas obsessivos, insônia, isolamento social, irritabilidade e impulsividade. 
Dada a natureza emocional destes transtornos, modalidades terapêuticas que amenizem o sofrimento psíquico são inestimáveis para a condução dos casos. Sensação de relaxamento mental e tranquilidade são sempre vivências comumente relatadas após as sessões de tratamento com acupuntura, bem como a melhoria da qualidade do sono logo após a primeira sessão de tratamento. A redução do estresse, da ansiedade e dos pensamentos obsessivos são encarados, frequentemente pelos pacientes, como uma “luz no fim do túnel” que diminui o volume da voz do transtorno, de um modo diferente do que ocorre em outros tratamentos. Independentemente da compreensão exata, da capacidade de “insight” da paciente ou do grau de entendimento que a pessoa ja adquiriu acerca de seu adoecimento, a Acupuntura e a Medicina Chinesa são ferramentas poderosas que irão ajudar a paciente a viver seu processo de recuperação com maior qualidade de vida e maior conforto em sua rotina cotidiana. 
Em um estudo conduzido com a aplicação de acupuntura no tratamento de TAs (Ren et al, 1999), 30 pacientes com Anorexia Nervosa foram tratadas com o agulhamento de meridianos de energia específicos por 30 minutos. No decorrer das sessões, 25 delas relataram melhora substancial dos sintomas de depressão, ansiedade, pensamentos obsessivos e idéias ruminantes, além da melhoria da qualidade do sono. 5 delas relataram melhora mas abandonaram o tratamento antes da conclusão dos estudos. 
Não existem soluções mágicas para nenhum estado de desequilíbrio energético da saúde – e não é diferente no caso do tratamento dos TAs. Mas em função de sua concepção holística do ser humano (mente, corpo e espírito são apenas manifestações diferentes da mesma energia), as ferramentas da Medicina Chinesa vão permitir que estas três instâncias sejam tratadas ao mesmo tempo, sem importar tanto o que deu origem ao quê – ou o que veio antes, o ovo ou a galinha. Tratando a mente trata-se o corpo, e vice-versa. A combinação da Acupuntura e de outras técnicas da Medicina Chinesa como exercícios de relaxamento, respiração, meditação, à ferramentas tradicionais como psicoterapia e reeducação alimentar possibilitará à quem sofre destes males uma recuperação mais rápida, com efeitos colaterais mínimos e maior qualidade de vida. 
Tratamento com Fitoterapia 
Como já foi citado anteriormente, cada caso é um caso e merecerá atenção especifica e diagnóstico feito por especialista. Entretanto, algumas ervas podem ser usadas de modo a aliviar sintomas específicos das condições características dos TAs. Algumas delas são: 
Panax Ginseng: auxilia o processo digestivo e ajuda a combater sintomas de ansiedade, depressão, insônia e inquietação mental. Trata casos de extremidades frias (pés e mãos), falta de ar, taquicardia, sudorese espontânea, fadiga, tosse crônica e seca, memória fraca, impotência e frigidez feminina. 
Rhodiola Rosea: auxilia o organismo a combater agentes estressores de todos os tipos e vem sendo reportada como uma eficiente erva no combate às alterações de humor e alívio da depressão. Estudos-piloto em seres humanos demonstraram que a planta pode melhorar o desempenho mental e reduzir a fadiga. Seus efeitos estão relacionados à otimização da serotonina e dopamina. 
Albiziae Cortex: acalma o espírito, estabiliza o humor, ajuda na insônia, nas flutuações dos estados de espírito, na melancolia e na depressão. Diminui a irritabilidade, melhora a qualidade da memória, fortalece os ossos e alivia dores em geral. 
Cyperi Rhizoma: auxilia nos desconfortos gástricos em geral (distenção no abdome, indigestão, dores no epigástrio), hormonais e menstruais (amenorréia, menstruação irregular) e dores em geral. Contra-indicada para pacientes grávidas e em alguns casos de desnutrição profunda. 
Menthae Haplocalycis Herba: indicada para dores de cabeça, sensação febril, visão turva e borrada, dor de garganta, dor de estômago, úlceras na boca e na língua, irritabilidade, ansiedade e depressão. 
Tratamento com Acupuntura: cuidados aos profissionais
 Alguns cuidados específicos devem ser observados pelos profissionais que se confrontam com casos de pacientes portadoras de Transtornos Alimentares, principalmente no que se refere às mais fragilizadas em seu estado de saúde, muito magras ou com deficiências severas. 
A quantidade de agulhas utilizadas deve ser reduzida, as agulhas mais finas e a profundidade dos pontos mais superficializada. O corpo não pode ser sobrecarregado por estímulos variados, e sim induzido naturalmente ao equilíbrio. O Qi superificial destas pacientes estará bastante “tenso”, e por isso podem ocorrer variações na percepção do Te Qi (sensação de agulhamento). Ainda, o uso de eletroacupuntura deve ser evitado.




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