quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Como a Medicina Chinesa compreende o processo de adoecimento?

Citando um dos mais importantes compêndios de Medicina Chinesa, o Huang Di Nei Jing “Fora de qualquer perversão interna, é falta grave para um médico ignorar o estado emocional de um doente” (Su Wen, cap.77). Na Medicina Chinesa saúde e doença são apenas duas manifestações diferentes de uma mesma energia, chamada aqui de Qi, e esta é a principal diferença nas concepções de saúde e doença entre a Medicina Chinesa e a Ocidental. Todos os pólos de opostos (saúde X doença, mental X físico) são compreendidos como uma única porta em que existe a palavra “entrada” escrita de um lado e “saída” do outro: a porta é a mesma, entrada e saída são apenas dois aspectos funcionais desta porta.

A diferença entre a Medicina Ocidental e a Chinesa pode ser compreendida através da seguinte metáfora: pensemos em um painel de comando de um automóvel, que possui diversas lâmpadas que apenas se acendem quando alguma coisa não está funcionando como deveria. Quando isso acontece, o recomendado é que se procure um mecânico que entenda o que aquela luz acesa significa: ela sinaliza visivelmente que um processo invisível está ocorrendo.

Uma lâmpada acesa equivale, aqui, a um sintoma. O acender de uma lâmpada – ou o surgimento de um sintoma físico – não representa um problema em si, mas é um sinal visível de um processo invisível que ocorre e sobre o qual não temos consciência. Dificilmente alguém que passa por uma situação como a descrita acima pensa em simplesmente retirar a lâmpada que se acendeu, sem levar em consideração o que ela sinaliza. Da mesma forma, na Medicina Chinesa os sintomas são compreendidos dentro de uma ótica global, com manifestações nos aspectos mental e físico, que são tratados concomitantemente.

A simbologia do sintoma é de fundamental importância, pois a Medicina Chinesa é uma Medicina extremamente simbólica que deriva de uma cultura igualmente simbólica. O uso de símbolos se inicia logo quando no processo de aprendizado dos ideogramas, que são muito mais do que simples palavras. Desta forma compreende-se porque a Medicina Ocidental busca conceitos, enquanto a Chinesa se desdobra em símbolos que, em Chinês, é Xiang, a representação da pata de um elefante. O elefante não está mais lá, mas sua presença é marcada pela ausência que deixou atrás de si um rastro. É bastante simples entender os simbolismos quando os pensamentos se dão através de imagens, e não de conceitos. Em culturas como a Chinesa, a Japonesa e a Egípcia Antiga, cujas escritas são simbólicas, os indivíduos são criados dentro de uma cultura que os constitui enquanto sujeitos simbólicos antes de qualquer coisa.

O que mais se aproxima, na Medicina Ocidental, do pensamento chinês acerca do adoecimento é a Medicina Psicossomática, que leva em consideração o aspecto mental e emocional na etiologia e tratamento de uma doença. Assim como a Medicina Psicossomática, também a Medicina Chinesa encara o processo de adoecimento do ser humano como um processo simbólico que expressa, nos subterfúgios de sua constituição, uma situação complexa e simbólica. Entretanto, não atribui necessariamente ao mental as manifestações de desarmonia pois, na Medicina Chinesa, o físico e o mental são apenas duas expressões do Qi; assim, se ele estiver alterado, esta alteração terá uma expressão tanto física quanto mental.

Os Fatores de Adoecimento na Medicina Tradicional Chinesa

Existem causas internas e externas para o adoecimento. As causas internas apontam falhas no sistema de defesa do organismo, associadas à hereditariedade, modo de vida e sentimentos. Já as causas externas relacionam-se a agressões sofridas do meio externo, ao clima e ao meio-ambiente. O adoecimento, ainda, pode se manifestar no plano físico, no mental ou em ambos.

Para melhor compreensão do que é doença na Medicina Tradicional Chinesa, primeira passemos à definição do conceito de saúde: Yin e Yang em harmonia, alto e baixo ligados, Cinco Movimentos gerando-se e controlando-se mutuamente e todos os aspectos do psiquismo funcionando em consonância no plano Mental. Esta afirmação não pretende ser categórica em dizer que tudo precisa estar funcionando perfeitamente para não estarmos doentes mas, na prática, o que se observa é que alterações, perturbações e desarmonias se instalam e permanecem encubadas durante muitos anos antes de se manifestarem.

A instalação de um quadro patológico, assim, depende da integração de uma infinidade de fatores relacionados ao equilíbrio e harmonia de todas estas forças, que se manifestam tanto internamente quanto no meio que nos cerca. Vale lembrar que o Qi está presente não apenas dentro do nosso corpo ou na nossa mente, mas também em tudo à nossa volta, de modo que o que influencia “o dentro” influencia igualmente “o fora”.

Fatores Externos de Adoecimento: os Agentes Patogênicos

Para entender estes fatores torna-se necessário observar que a Medicina Tradicional Chinesa é uma Medicina classicamente observacional. Em uma época em que não existiam exames ou microscópios que dessem nomes às patologias, os antigos médicos chineses utilizavam a Natureza como referência no momento de diagnosticar doenças.

Desta forma, a febre era uma doença de Calor. A epilepsia era explicada como Vento no Interior do Corpo. As mucosidades ressecadas sintomas de uma doença de Secura, e por ai vai.

Os agentes patogênicos externos são os seguintes: Calor, Frio, Umidade, Secura, Vento e Fogo, de acordo com a semelhança entre estas denominações e a manifestação sintomática da doença. Cada um destes fatores patogênicos lesa um componente do corpo: Yin ou Yang, fazendo com que as doenças sejam basicamente doenças de Frio (excesso de Yin ou deficiência de Yang) ou Calor (excesso de Yang ou deficiência de Yin). É bastante comum que uma doença de Calor se transforme em uma de Frio, e vice e versa.

Ainda, os fatores patogênicos podem combinar-se entre si, um resfriado sendo chamado de Vento-Frio, uma virose que causa febre de Vento-Calor, uma infecção urinária de Calor-Umidade, etc.

Fatores Internos de Adoecimento: as Emoções 

Como já citado anteriormente, as emoções podem lesar órgãos do corpo da mesma forma que um órgão em desarmonia pode mobilizar as emoções em um determinado sentido. Para que afetem patologicamente um órgão do corpo, as emoções precisam ser muito fortes e ocorrerem por período prolongado de tempo sem serem trabalhadas ou reconhecidas pelo indivíduo.

Uma emoção é uma emoção; não é boa e nem ruim. Bom ou ruim é o modo como o individuo vivencia esta emoção em sua vida: utilizando-a de uma forma produtiva e construtiva em seu processo ou estagnando em uma delas, sem conseguir transformá-la em algo positivo.

O Medo é uma emoção resultante do processo evolutivo do homem e que, de certa forma, permitiu sua sobrevivência sobre a face da Terra. A cautela é útil e nos avisa dos perigos que podem nos prejudicar mas, quando em demasia, paralisa o individuo fazendo o Qi do Rim descer ao invés de subir. Alegria aquece o coração, traz satisfação e saciedade. Quando em demasia, se transforma em euforia que consome Qi e afeta o Coração. Em certo grau, a Tristeza faz parte do processo de evolução pessoal, pois nos ensina a lidar com os apegos e desapegos da vida. Quando muito intensa e prolongada, a melancolia pode virar depressão, que nada mais é do que um enfraquecimento geral do Qi do organismo. Como a tristeza afeta o Pulmão e é função dele produzir Qi torácico através da respiração, falha em seu trabalho e produz Qi em deficiência, enfraquecendo o organismo como um todo.

Pensamentos que nos levam para frente em nosso processo de evolução pessoal, que são construtivos e edificantes refletem bom funcionamento do Baço. Já pensamentos que se tornam incessantes e ruminativos se transformam em obsessões que interferem em seu funcionamento: falha em transportar, transformar e fazer circular Qi de qualidade. Fala-se em estagnação do Qi do Baço. Assim como o Medo, a Agressividade também é bastante útil para a sobrevivência do homem sobre a Terra; o indivíduo que não sabe lidar com sua agressividade constantemente experimenta problemas no que se refere à limitação de espaços entre o eu e o outro. A agressividade construtiva contribui para o bem-estar do homem, é o que faz com que ele seja capaz de dizer “não” ao outro. Quando exagerada, se transforma em Ira e gera alterações no funcionamento do Fígado, que falha em sua função de fazer o Qi circular livremente. Sintomas de irritabilidade exacerbada são associados a estes quadros. Alterações no Fígado podem levar igualmente a alterações de comportamento.

O grande benefício do tratamento com a Medicina Chinesa é, portanto, a possibilidade oferecida de tratar tanto o físico quanto o emocional ao mesmo tempo, sem importar tanto quem levou quem a ficar doente: tratando-se um, trata-se o outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário